“Blog?” – percebo que a ideia, tão óbvia e inadiável a mim, gera uma certa desconfiança no time inteiro. O ano é 2022, entendo que esse navio partiu há algum tempo, mas confesso me importar pouco com os movimentos e tendências, e respondo sem conseguir encontrar outra opção mais técnica, ou que faça jus ao cargo estratégico que ocupo na empresa: Preciso de um espaço para escrever.
“Certo, mas blog? Alguém ainda faz isso?”
Meu primeiro projeto de transição de carreira foi um blog. Tá, era 2016, e vivíamos em um mundo onde as pessoas consumiam conteúdos por mais de 15 segundos (saudades, mundo quando as pessoas consumiam conteúdos por mais de 15 segundos). De fato a blogueiragem nata – essa de quem realmente escreve em blog – fazia mais sentido.
Ora se algum escritor, sequer no auge de sua consciência, estivesse buscando por mais sentido, enfim.
Escrever sempre foi um lugar de existência. Criança eu escrevia redações e colecionava as que eram escolhidas para o livro anuário da escola. Adolescente eu escrevia cartas de amor obviamente nunca entregues. Adulta eu escrevo para lidar com as angústias que acesso quando me vejo diante da realidade e suas bordas. Em sonho, escrevo como profissão.
Apesar de acreditar em algum talento e receber incentivos dos poucos que me leem, profissionalizar a arte nunca me pareceu elegante, ou soou financeiramente atraente. Há sempre essa voz dizendo: você não é artista, escrever é um hobby, foque em fazer crescer a sua empresa, percorra um caminho óbvio, alimente o que sustenta o corpo, mesmo que pra isso você mate a alma de fome.
Outono, Paris, um dia de sol e muito frio – exatamente como estava quando eu nasci. Exatamente como está nesse dia que eu fiz nascer. Tem um croissant da padaria da esquina e uma térmica de café coado ao lado da cama – minha pelos próximos 35 dias do 18eme na 63bis Rue Boursault. Enquanto evoluo e vejo a forma que vai tomando esse texto, me resta um total de nenhuma dúvida quanto ao fato de que não escrever não é mais uma opção.
Que ato falho. Que assim seja, Freud abençoa. Ops, I did it again!
Se esse texto fosse um convite, ele te convidaria a refletir sobre sua atual capacidade de dizer sim para a vida. Essa viagem tem me provocado uma reflexão constante sobre a coragem que é inevitável para ser feliz e realizar sonhos. Enquanto passava o café, escutei a seguinte frase no Podcast Talvez Seja Isso, da Barbara Nickel e Mariana Bandarra: “A felicidade é um ato revolucionário”.
Quando você pensa em felicidade para além do capitalismo, do conservadorismo familiar, e das estruturas impostas, de zero a dez, quão verdadeiramente feliz você sente que é?
Essa ideia me jogou a um lugar que nem o melhor vinho francês daria conta de trazer algum conforto. Sinto que nunca fui verdadeiramente feliz até aqui. Coloquei trabalho, metas inalcançáveis (e que mesmo assim eu alcancei), medos de fracasso e uma necessidade insana de vencer (sabe-se Deus lá o que) como principais buscas desde que me entendo por gente.
Minha vida nunca foi ruim. Tiquei a maioria dos itens que se espera de uma pessoa considerada “bem sucedida”. E talvez seja exatamente por isso que eu tenha passado tantos anos nesse breu. Talvez seja por isso que você também ainda esteja nessa busca por tantas respostas. Se a nossa vida é “boa”, por que não nos sentimos felizes? Se a gente consegue ser racionalmente grata por tanto, por que ainda existe um vazio quase existencial que consome dias e noites?
Se hoje pensamos em felicidade, sem aprofundar muito o tema, posso garantir que a maioria das pessoas vai atrela-la a dinheiro, profissão, conquistas, talvez casamento e filhos. Coisas todas compráveis, e relacionamentos que podem ser rasos, a ponto de nunca nos desnudarem para além da roupa, porém check na capa da imagem social – um item a menos na lista que tem deixado seus cabelos mais brancos.
Exaustão agora tem nome de sucesso, e a gente busca sucesso (exaustão) em todo tipo de excesso para maquiar nossas faltas. Aí ser produtiva e bem assalariada e aquele tipo de pessoa que constrói a ideia de segurança sob a ilusão de empregos, reservas financeiras, e algum patrimônio vira nossa maior obsessão.
Essa felicidade é plástica, pré-fabricada, e de revolucionária não tem nada.
O nome do blog se tornou ato muito falho porque eu tenho pra mim que a felicidade revolucionária, a que faz a gente quase engasgar sem fôlego com o ritmo de um coração que bate completamente apaixonado pela vida, é aquela que te escapa do controle. A que você sente quando não espera sentir. Que te invade quando você falha em sustentar a outra – a plástica.
A felicidade revolucionária é o joguinho que você não faz, a capacidade de se rasgar para alguém simplesmente porque a paixão que te consome internamente não consegue calar e fala, se entrega e se deixa penetrar. A felicidade revolucionária é dizer sim para o prazer, para o amor, para a arte e para a verdade da sua alma, mesmo quando o mundo inteiro tenta te corromper a se voltar antes para o personagem, para a necessidade da forca, do controle, do politicamente correto, do que seria aprovado e exaltado pela sua bolha.
A felicidade revolucionária é aquela que você acessa quando, mesmo dentro da bolha, você consegue rir dela, sentar na borda dessa piscininha, mas entender que seus mergulhos sempre serão em mares abertos.
Felicidade que acessa o coração através do corpo. O corpo ponte, não o objeto. Que é feito para sentir, não para causar qualquer dor ou julgamento. Que dança em um ritmo que o coração orquestra batendo sem medo e sem vergonha.
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E se usássemos nosso raro tempo para botar tijolos numa construção de vida mais real? Parássemos de mostrar recortemos do que não somos? (e se a gente parasse de mostrar tanta coisa, inclusive? pra que? pra quem?). E se a gente questionasse o fato de que muitos de nós já temos casa, carro, acesso a viagem, relacionamento, ilusão de segurança… e não estamos felizes?
Eu passei por dois quadros graves de depressão e burn out nos últimos anos – ambos provocados pelo excesso de trabalho, mas principalmente, pelo excesso de tudo aquilo que eu nunca precisei para ser feliz. Numa matemática bem tosca, até a gente que é de humanas percebe que essa conta não fecha. Muito do que nunca basta e sem valor, pouco do que é essencial e vital – segue a fórmula para colocar num pote de geléia mais uma mulher exausta, perambulando por caminhos que jamais deveria ter escolhido, sem tem a menor ideia para aonde vai, e ainda assim, correndo.
Nunca soube exatamente o que faria em Paris nessa temporada de tratamento e mês sabático que me dei, depois de muito resistir e achar que eu não poderia/não merecia/não deveria vir. Inicialmente me propus (leia-se: me obriguei) a escrever meu livro. Sim, eu tinha a inocente ideia que escreveria um livro inteiro em 40 dias – rir sem respeito está permitido. Como diriam meus vizinhos de mesa em cafés por Montmartre “quelle idée”.
5 meses depois do meu retorno, reviso esse texto e percebo que Paris me devolveu pulsão de vida. Me fez engolir suavemente, com muito vinho, arte e romance uma felicidade que eu dei nome de “cheiro de pão saindo do forno cada vez que eu dobrava a esquina do flat de cortinas bordô, e uma banheira amarelada que nunca pareceu limpa, por mais que eu a esfregue diariamente”.
Paris abriu meus braços para todo tipo de amor, inclusive os mais improváveis, como é o atual, que nunca teria sobrevivido à Carolina de São Paulo, sem tempo a “perder”. Amor que come hambúrguer assistindo futebol no segundo date, fala com a boca cheia, e limpa a maionese da barba dele. Que dorme junto sem julgamento, perde a hora na cama, inventa desculpas para cancelar compromissos e conversar um pouco mais enquanto caminha abraçado na rua. Que já começa a sentir saudade na hora que o outro está colocando sapato para sair.
E se andar sem rumo e sem pressa na rua tivesse mais valor que uma casa no metro quadrado mais caro da cidade? Então… tem.
E se a ousadia de fazer o incerto que você tanto deseja te deixasse mais segura do que qualquer ideia de estabilidade? Então… deixa.
E se realizar os seus sonhos fosse mais importante que sustentar uma imagem de quem você não é? Então…
Decidi que 2023 seria um ano mais enxuto. Que eu escolheria, sempre que possível, pela felicidade revolucionária. Patrocinaria meus medos, pra que eles até tenham algum crédito, mas não tomem decisões.
Debaixo de um Céu Ariano, em Lua Nova (como dever ser), fruto de um ato bem falho, nascemos!
Bienvenue à essa casa nova 🙂