Cheguei 30 minutos atrasada, tomei chuva no caminho, estava quente e cheio o restaurante que você reservou pra gente comer suas amadas navalhas do mar (que eu apelidei carinhosamente de minhocas). Minha blusa de gola alta preta estava me matando de calor. Não tirei, porém, em momento algum. Fico belíssima de gola alta preta se eu secar o cabelo – era o caso.
A garçonete tentava nos expulsar o tempo todo, e fazia muita questão em demonstrar seu desinteresse em nos atender, mas eu só conseguia me incomodar com o fato de você ser muito mais bonito pessoalmente que nas fotos – jogo sujo.
Achei graça do seu português errado, da demora pra encontrar termos que você não se lembra mais, das onomatopéias que você emite para conseguir (conseguir?) ter concordância verbal, e das palavras que você cria em tradução direta que, literalmente, não fazem qualquer sentido. Essa é daquelas peças que a vida prega na gente – logo eu.
Foi me guiando pelas ruas com destreza sem que eu me desse conta de onde estávamos – e até agora não sei porque eu ria tanto das suas piadas sem graça pelo caminho. Chegamos à sua vista favorita da torre, e ali “no seu spot” fez uma das melhores fotos da minha viagem – note to self: tem paciência, mas cortou o topo da torre e meu ombro.
Achei de uma arrogância incalculável tanto o fato de eu já estar muito à vontade ao seu lado, quanto o de você conseguir me impressionar sem qualquer esforço aparente. Decidi atrelar todo o crédito daquele boníssimo primeiro encontro à uma Paris gelada e iluminada por Lua Cheia – achei mais seguro.
Cancelei o segundo encontro em cima da hora suspeitando que o problema estaria resolvido, obviamente você desistiria. Passou dois dias sem falar comigo e então ressurgiu com uma resposta compreensiva, interesse e um novo convite ainda melhor – silêncio, gênio trabalhando.
Dessa vez cheguei 45 minutos atrasada – em tempos de altíssima concorrência, há de se superar sempre. Perdemos o jogo da seleção, e você parecia não se importar, eu fiquei brava. Depois descobrimos que Richarlisson naquele dia marcou um golaço (também).
Resgatou meu brinco caído no ralo da pia e topou ver a cidade de ponta cabeça no parque de diversões do Marché du Noel – deixando bem claro, claro, todos os riscos que corríamos. No caso, nenhum, mas fingi acreditar que seu medo de altura era preocupação – “você é doce”.
O vinho quente estava ruim, jogamos fora, mas a massa que dividimos à la Dama e o Vagabundo estava ótima. Você alegou estar com pouca fome e deixou quase tudo pra mim. Deus abençoe as fake news do processo de apaixonamento – nunca me interessei por verdades que atropelam o romance. Amém.
Três dias juntos, grude sem precedentes, conversas profundas até às 3 da manhã na sala da sua casa. Fomos da traição ao burnout, da engenharia à literatura, da religião à Astrologia em segundos (leia-se: muitas horas que pareciam segundos). Concluímos que termos nos conhecido era a pior e a melhor coisa que poderia ter acontecido – a química e a realidade que logo bateria em nossas portas eram insuportáveis.
Um croissant na boulangerie da esquina antes das 8:00 da manhã, nosso último encontro (achávamos), você colocou as duas mãos no meu rosto e me olhou por algum tempo que eu não sei dizer se foi um minuto, ou duas vidas: “Au revoir, bonitinha”. “Bonitinha” no seu mundo é um elogio – ninguém é perfeito.
Em pouco tempo eu embarcaria, em poucos dias nunca mais seríamos os mesmos.
“Não faz qualquer sentido a gente manter contato, certo?”
“Certo, feliz vida, obrigada por tudo.”
Um mês de silêncio depois me desejou feliz natal, eu lembrei do seu aniversário, você finalmente ligou e mencionou ter comprado uma passagem pro Brasil. Disse que vinha. Obviamente desacreditei.
Veio.
Antes de chegar você já era a pessoa que passava 8 horas conversando em um meeting via zoom todo sábado – e dessa vez eu não estou exagerando. Se tornou meu bonjour, e meu bonne nuit. A foto que eu não conseguia parar de olhar nos contatos do whatsapp (brega).
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Certa vez ouvi uma frase da Ana Martins Marques que dizia: “numa separação, existe um idioma inteiro que se extingue”. Depois de alguns segundos sem ar, atravessada pela mensagem, percebi que apesar de me ensinar Francês diariamente, a nossa fluência ganha corpo é nesse idioma de nós dois, que temos criado com vocabulário próprio, código, sotaque, emojis (oi, relacionamento contemporâneo) e trejeitos que surjem em meio às longuíssimas trocas que têm garantido nossa ineficiência profissional e picos de felicidade que beiram a alienação – na mesma proporção, oremos.
Que “sorte” nosso ascendente em Câncer ter sido mais forte que meu Sol Geminiano e o seu Caprica.
Que “sorte” termos o mundo como palco desses próximos capítulos.
Que “sorte” a nossa, essa sorte que temos construído todo dia com muito café, leite de aveia, salada de atum, quarta-date e voltas geladas por uma Paris de primavera que começa com 6 graus lá fora, e termina com nossos episódios de Daisy Jones aqui dentro.
6 meses de “moi et toi, ALL IN, sem plano B” – e com carta de amor sim. Reclamações diretas para: ascendenteemcancer@luaempeixes.com.br #wecanalwaysblamethestars
Je te amo beacoup, Mon Chou ♥️ Merci pour tanto!